Através de pesquisas, sabemos hoje que aprender uma ou duas línguas novas resulta em grandes diferenças na trajetória de desenvolvimento.
Nosso mundo está se tornando
cada vez mais globalizado. Essa interconexão nos concede acesso à línguas de
países aos quais nunca fomos. Através da migração de pessoas, línguas também
migraram para lugares que não existiam antes e, em vários países, diversos
idiomas estão coexistindo para além da língua nativa. Mas será que isso poderá
alterar o idioma que aprendemos a falar?
Há muitas vantagens para quem
sabe vários idiomas. Ao viajar, por exemplo, você pode perguntar onde é o
banheiro ou quanto custa algo. No aeroporto, você é capaz de traduzir algo para
outro passageiro. Você poderá se aprofundar mais em uma leitura, ao ler textos
em seu idioma original. Esses exemplos podem ser pequenos, mas devem tornar a
vida um pouco mais fácil e emocionante. Entretanto, as vantagens são ainda mais
profundas do que isso.
O Mito do Déficit Bilíngue
Historicamente, existe um medo
de que a exposição de crianças a mais de um idioma em uma idade precoce pode
causar confusão e atraso nas habilidades de linguagem. Alguns estudos
comportamentais sugeriram que os cérebros das crianças ainda não estão
desenvolvidos o suficiente para lidar com tanta informação, e por isso, duas
línguas ao mesmo tempo seria prejudicial para o desenvolvimento infantil.
Se isso fosse verdade, é
improvável que eu estaria escrevendo este ensaio hoje. Ao longo do meu
crescimento, em minha família, se falava cotidianamente quatro línguas. Minha
mãe falou em urdu conosco, meu pai falou em Inglês, nossa babá em hindko – uma
linguagem do norte do Paquistão – e meus pais falavam entre si em punjabi. A meu
entendimento, todos os membros de minha família são – pelo menos de maneira
objetiva – funcionais e adultos plenamente alfabetizados.
Através de pesquisas, sabemos
hoje que aprender uma ou duas línguas resulta em grandes diferenças na
trajetória de desenvolvimento. (2) Crianças que aprendem duas línguas às vezes
podem misturar gramáticas ou palavras de diferentes línguas, o que é uma parte
normal da aprendizagem de línguas e não indicativo de dificuldades de
aprendizagem. (3) Nos primeiros anos, o vocabulário das crianças, para cada
idioma, poderá ser menor em comparação com as crianças monolíngues, mas quando
ambas as línguas são colocadas na balança, os vocabulários completos serão
similares. Porém, o vocabulário da criança bilíngue continuará a se expandir.
(4)
Os benefícios neurais do bilinguismo
Há evidências de que o
bilinguismo pode melhorar o funcionamento executivo. A função executiva é
pensada para ser alojada principalmente na parte frontal do cérebro, no que
chamamos de córtex pré-frontal (embora a pesquisa sugira também que é parte de
redes que conectam todo o cérebro). A função executiva é um termo genérico para
vários processos cognitivos, incluindo a memória, o raciocínio e resolução de
problemas, bem como planejamento e execução – ou seja, um monte de coisas
importantes.
Com uma ampla gama de funções
executivas, a maioria dos estudos terá de se expandir para além de uma função
específica, para aprendermos mais. Alguns estudos, por exemplo, focam na forma
como processamos as informações conflitantes. Pesquisadores descobriram que
aqueles que são bilíngues superaram seus pares monolíngues em tarefas que
exijam informações conflitantes. Estes estudos foram feitos para medir o quão
rápido respondem a estímulos conflitantes ou confusos.
O teste Stroop consiste em
mostrar a palavra azul, por exemplo, em uma tela, escrita em amarelo. A tarefa
é nomear a cor da fonte e ignorar a palavra escrita. Parece fácil, mas é algo
difícil de fazer com rapidez e precisão quando a cor e a palavra não coincidem.
Esse tipo de tarefa requer
controle inibitório conforme se recebe a informação perceptual. Bilíngues se
saíram melhor que os monolíngues em tarefas que continham o controle
inibitório, e também em alternar entre duas tarefas em termos de velocidade e
precisão.
Além de serem melhores em
classificação e informações conflitantes, outros estudos demonstraram que os
bilíngues são mais capazes de filtrar o ruído e as distrações. Em média, eles
parecem ter a capacidade de exibir maior foco, independente do que está
acontecendo ao seu redor. Em um nível básico, os bilíngues parecem ter uma
capacidade maior para monitorar seu ambiente.
Cientistas teorizam que a
comutação entre as línguas muitas vezes requer grande autoconsciência. É
possível que o cérebro bilíngue esteja preparado para codificar rapidamente as
mudanças e os desvios do que está sendo falado. Neste estudo, os bilíngues
tiveram melhor desempenho e menor atividade cerebral nas regiões do cérebro
associadas com monitoramento. Isso pode indicar que eles são capazes de
alternar entre as tarefas de forma mais eficiente e com menos demanda
cognitiva. (5)
Até agora, discuti como ser
bilíngue pode melhorar a função executiva, por dar maior controle inibitório,
capacidade de alternar entre tarefas, monitorar o ambiente e filtrar
distrações. Mas o que mais o bilinguismo pode fazer?
Acredite: além de tudo isso,
também pode proporcionar alguns benefícios ao envelhecimento.
o bilinguismo pode ajudar a
PreservaR o cérebro
Crescentes evidências parecem
indicar que falar várias línguas pode retardar o aparecimento da demência por
até cinco anos. Em vários estudos com pacientes de Alzheimer,
constatou-se que os bilíngues relataram o início dos sintomas da doença aos 77
anos, enquanto que a maioria dos monolíngues relatou o início dos sintomas aos
72 anos. Claro, é importante reconhecer que muitos desses estudos são
correlacionais. No entanto, o que é particularmente interessante é que, com os
estudos, verificou-se que os cérebros das pessoas bilíngues tinham o dobro de atrofia
física em regiões associadas com Alzheimer. Curiosamente, apesar dos bilíngues
terem maior atrofia em relação aos seus homólogos monolíngues que apresentaram
um cérebro menos prejudicado, os bilíngues demonstraram que seus cérebros podem
ser excelentes em recursos, exigindo menos tecido saudável para alcançar os
mesmos resultados.
Embora os cientistas não
entendam completamente por que isso acontece, alguns supõem que tem algo a ver
com a forma de como a linguagem é moldada no cérebro. Alguns teorizam que falar
duas línguas aumenta o fluxo de sangue e oxigênio para o cérebro, mantendo
conexões nervosas mais “ajustadas” e ativas. (6)
Estudos de Harvard revelaram que
os bilíngues parecem ter mais matéria branca em seus lobos frontais (onde está
localizada nossa área de função executiva) e lobos temporais (que é uma área
importante para a linguagem) (7). A substância branca é composta,
essencialmente, pelas longas fibras (axônios) que conectam as células no
cérebro. Ou seja, mais matéria branca gera mais ligações. Esses estudos
suportam estudos anteriores, que demonstraram que o bilinguismo pode moldar o
funcionamento do cérebro e da estrutura de forma única.
O futuro do Bilinguismo
Depois de ler este ensaio você
pode pensar que deveria aprender espanhol, ou talvez não deveria ter
reduzido a velocidade em sala de aula. Mas infelizmente, não é assim que
funciona.
O professor Gigi Luk, da
Universidade de Harvard, em sua pesquisa sobre bilinguismo, obteve resultados
que mostram que muitos dos benefícios descritos são conectados a uma
experiência de linguagem ao longo da vida, que se inicia na infância e continua
até a fase adulta. Durante a infância, o cérebro está em grande fluxo, e pode
ser que a linguagem tenha uma influência especial sobre as redes do cérebro
durante esse estágio. Isso pode resultar em grandes benefícios mais tarde na
vida.
O que podemos tirar, no entanto,
é o presente que pode ser ensinar vários idiomas para os nossos filhos. Embora
possa demorar um pouco mais para eles alcançarem pleno domínio de outra língua,
uma vez que eles conseguem, e se continuarem a praticar ao longo de suas vidas,
a riqueza de sua experiência global e as portas socioculturais que se abrirão para
eles são incontáveis. Com a pesquisa apontando para seus benefícios cognitivos,
e nosso mundo cada vez mais interconectado culturalmente, parece claro que os
objetivos da educação irão alinhar-se com o bilinguismo.
As crianças não podem
normalmente fazer essa escolha por si mesmas, por isso cabe a nós trabalhar em
direção a um sistema que lhes dê o melhor que a educação pode oferecer.
Tomado de: https://www.residenciais.org/2016/02/bilinguismo-incriveis-beneficios-cognitivos-culturais-e-fisicos/